11 de jan. de 2017

[Poesia] A PAUL VELÉRY – João Cabral de Melo Neto



   
– PEDRO LUSO DE CARVALHO

Em 1956, a José Olympio Editora publicou o livro de João Cabral de Melo Neto intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos). Esse volume encerrou as obras publicadas em Poemas Reunidos, Rio de Janeiro, 1954, e estes outros livros: Morte e Severina, Paisagens com Figuras, Uma Faca só Lâmina.
Os Poemas Reunidos citados compreendiam: Pedra do Sono, Recife, 1942; Os três Mal-Amados, 1943; O Engenheiro, Rio, 1945; Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, Barcelona, 1947, e O Cão sem Plumas, Barcelona, 1950. Esses livros - editados no volume intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos) - sofreram algumas modificações, que o poeta considerou-os definitivos.
Para a edição neste espaço, escolhemos o poema de João Cabral de Melo Neto cujo título é A Paul Valéry, que integra o livro  Duas Águas, Poemas Reunidos, p. 137-138):


A PAUL VELÉRY

– João Cabral de Melo Neto



É o diabo no corpo
ou o poema
que me leva a cuspir
sobre meu não higiênico?

Doce tranquilidade
do não-fazer; paz,
equilíbrio perfeito
do apetite de menos.

Doce tranquilidade
da estátua na praça,
entre a carne dos homens
que cresce e cria.

Doce tranquilidade
do pensamento da pedra,
sem fuga, evaporação.
Febre, vertigem.

Doce tranquilidade
do homem na praia:
o calor evapora,
a areia absorve.

As águas dissolvem
os líquidos da vida.
E o vento dispersa
os sonhos, e apaga

a inaudível palavra
futura (que, apenas
saída da boca,
é sorvida no silêncio).




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