3 de mar. de 2011

[Conto] PEDRO LUSO – O Oficial de Justiça




[ESPAÇO DO CONTO]

O OFICIAL DE JUSTIÇA
 – PEDRO LUSO DE CARVALHO
  
O circunspeto Romualdo foi um bom oficial de justiça. Trabalhou por muitos anos sem um único deslize. Pessoa íntegra, no forum conquistou o respeito dos juízes e dos servidores da Justiça. Certo dia saiu de casa para fazer uma citação a três quadras dali. Quando chegou, procurou pela campainha. Acionou-a uma única vez. A mulher que o atendeu era magra, cabelos em desalinho, e devia ter menos de trinta anos.
– Procuro pela senhora Mafalda.
– Pois não, senhor! Sou eu mesma.
O seu vestido vermelho, com ousado decote, fez com que Romualdo desviasse o olhar no momento em que lhe entregou o mandado de citação. Depois apanhou a contrafé, por ela assinada, e retirou-se, fazendo-lhe um tímido aceno com a cabeça,
 Passados dois dias, Romualdo recebeu um bilhete da mulher de vestido vermelho, convidando-o para um aperitivo em sua casa. Tornou a ler o bilhete para certificar-se se era a mesma mulher que citara dias atrás. Não havia dúvida, a letra era a mesma.
Uma semana depois, Romualdo recebeu um telefonema de Mafalda, que lhe disse, com voz rouca: “Ainda estou aguardando a sua resposta”. E renovou o seu convite.
– Eu sou um homem casado...
– Venha no final da tarde – disse, com firmeza.
Romualdo foi ao encontro de Mafalda, depois de concluir a última citação daquele dia. Os encontros nos finais de tarde tornaram-se rotineiros. Aos domingos, saia a passeio com a esposa e a filha.
Passados pouco mais de dois anos, Romualdo começava a sentir o peso da culpa. Não deixava de pensar na boa qualidade de vida que levava, antes de conhecer Mafalda.
Decidido a romper com o relacionamento, pediu à amante que o esperasse, no final da tarde. Quando chegou, foi direto ao assunto:
– Vamos ter que terminar com este caso – disse, sem olhar nos seus olhos.
Como não ouviu dela nenhuma resposta, saiu às pressas. Depois de ter permanecido sentada por algum tempo, o olhar fixo na porta, por onde Romualdo saiu, falou com voz embargada, no vazio da sala: “Se ele pensa que vai me abandonar engana-se”.  
Mafalda passou a telefonar todas as noites para a casa de Romualdo, por várias semanas. A esposa preocupava-se com esses telefonemas, e com o estado de prostração do marido, que no momento separava alguns mandados de citação, para o seu dia de trabalho.
– Um menino me entregou isto – disse a esposa, preocupada.
Romualdo esperou que ela saísse da sala para abrir o envelope. Reconheceu a letra de Mafalda. Um sentimento de desgraça deixou-o abatido. No bilhete, a amante dizia: “Vou contar tudo o que existiu entre nós à sua mulher”.
O oficial de justiça voltou a sentar-se, extenuado. Afastou os documentos que estavam sobre a mesa, e aí deixou o bilhete, com os rabiscos ameaçadores de Mafalda.
De repente, tomado de fúria, Romualdo saiu em direção à casa de Mafalda. Enquanto caminhava, segurava o revólver no bolso do paletó até deparar-se com a amante, momento em que sentiu a mão enrijecida e os contínuos repuxos da arma.
O tempo parecia ter parado para o oficial de justiça. Refazendo-se, Romualdo esfregou os olhos, como se estivesse acordando, e logo ouviu o seco estalido das algemas, apertando-lhe os punhos.


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