5 de jan. de 2016

[Crônica] MACHADO DE ASSIS – 10 de novembro


 – PEDRO LUSO DE CARVALHO

Nenhum escritor brasileiro contribuiu mais para a nossa literatura que Machado de Assis. Ele escreveu romances, contos, crônicas, poemas. Passados tantos anos de sua morte, o seu texto enxuto, direto, ainda é atual. Prova disso é a crônica intitulada 10 de novembro, escrita no ano de 1884, na qual o mestre desenvolve um tema relacionado com a política, mais precisamente de candidato a deputado que pede o voto a um conhecido.
A crônica de Machado desenvolve-se até culminar com um questionário que ao conhecido candidato. Vê-se aí um escritor de espírito elevado e moderno até mesmo para os dias atuais. Vale a pena fazer a leitura dessa crônica (10 de novembro), escrita no ano de 1884, que integra o livro Crônicas de Lélio, de Machado de Assis, que teve a organização, prefácio e notas de R. Magalhães Júnior, e foi editado pela Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1958, p. 163-165). Segue, pois, a crônica:

     
       10 DE NOVEMBRO
            – MACHADO DE ASSIS


Venho pedir o seu voto na próxima eleição para deputado.
– Mas, com o senhor, fazem setenta e nove candidatos, que...
– Perdão: oitenta. Que tem isto? A reforma eleitoral deu a cada eleitor toda a independência, e até fez com que adiantássemos um passo. Em rigor, e pelo antigo sistema, há dois modos de fazer eleição – ou por designação de um chefe ou por acordo dos eleitores em reuniões públicas. Não contesto que o primeiro modo dá a unidade e o segundo a liberdade do voto. Nós, porém, inventamos um terceiro meio mais próprio de família, mais adequado aos sentimentos bons e sossegados: – a candidatura de paróquia, de distrito, de rua, de meia rua, de casa e de meia casa... Quem é que não tem um ou dois companheiros de escritório ou de passeio?
– Bem; pede-me o voto.
– Sim, senhor.
– Responda-me primeiro. Que é que fazia até agora?
– Eu...?
– Sim, trabalhou com a palavra ou com a pena, esclareceu os seus candidatos sobre as questões que lhe interessam, opôs-se aos desmandos, louvou os acertos...
– Perdão, eu...
– Diga.
– Eu não fiz nada disso. Não tenho que louvar nada, não sou louva-deus. Opor-me! é boa ! Opor-me a quê ? Nunca fiz oposição.
 – mas esclareceu...
– Nunca, senhor! Os lacaios é que esclarecem os patrões ou as visitas: não sou lacaio. Esclarecer! Olhe bem para mim.
–Mas, então, o que é que o senhor quer?
– Eu quero ser deputado.
– Para quê?
– Para ir à câmara falar contra o ministério.
– Ah! é contra o Dantas?
– Nem contra nem pró. Quem é o Dantas? eu sou contra o ministério... Digo-lhe mesmo que a minha ideia é ser ministro. Não imagina as cócegas com que fico em vendo um dos outros de ordenanças atrás... Só Deus sabe como fico!
– Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...
– O meu compadre Z... diz que não gasta muito.
– Não me refiro a isso; falo do diploma, o uso do diploma. Já pesou...
– Se já pesei? Eu não sou balança.
– Bem, já calculou...
– Calculista? Veja lá como fala. Não sou calculista, não quero tirar vantagens disto; graças a Deus para ir matando a fome ainda tenho, e possuo braços. Calculista!
– Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.
– Obriga a falar.
– Só falar?
– Falar e votar.
– Nada mais?
– Obriga também a passear, e depois se torna a falar e votar. Para isto é que eu vinha pedir-lhe o voto, e espero que não me falte.
– Estou pronto, se o senhor me tirar de uma dificuldade.
– Diga, diga.
– O X. pediu-me ontem a mesma coisa, depois de ouvir as mesmas perguntas que lhe fiz, às quais respondeu do mesmo modo. São do mesmo partido, suponho!
– Nunca: o X. é um peralta.
– Diabo! ele diz a mesma coisa do senhor.


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