25 de mar. de 2013

[Poesia] JOÃO CABRAL– Volta a Pernambuco



                         [ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
       

Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1968, João Cabral de Melo Neto respondeu a uma pergunta feita sobre inspiração:

“Inspiração não tenho nunca. Aliás, como diz Auden, a poesia procura a gente até os 25 anos. Depois, é a gente que tem de procurá-la, inspirá-la. Confesso que desde o início construí minha poesia. Rendimento é uma questão de trabalho e método. De sentar todos os dias à mesma hora. O rendimento dos primeiros dias pode ser menor, mas depois se torna regular.”

Em 1958 a José Olympio Editora publicou o livro de João Cabral de Melo Neto intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos). Esse volume encerrou as obras publicadas em Poemas Reunidos, Rio de Janeiro, 1954, e estes outros livros: Morte e Severina, Paisagens com Figuras, Uma Faca só Lâmina.

Os Poemas Reunidos citados compreendiam: Pedra do Sono, Recife, 1942; Os três Mal-Amados, 1943; O Engenheiro, Rio, 1945; Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode, Barcelona, 1947, e O cão sem plumas, Barcelona, 1950. Esses livros - editados no volume intitulado Duas Águas (Poemas Reunidos) - sofreram algumas modificações, que o poeta considerou-os definitivos.
      
Segue o poema Volta a Pernambuco, de João Cabral de Melo Neto (In Duas Águas/João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958. p. 55-56):



VOLTA A PERNAMBUCO
        [ JOÃO CABRAL DE MELO NETO ]

A Benedito Coutinho



Contemplando a maré baixa
nos mangues de Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.

Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife surgiu.

As janelas do cais da Aurora,
olhos cumpridos, vadios,
incansáveis como em Chelsea
veem rio substituir rio,

e estas várzeas de Tiúma,
com seus estendais de cana,
vem devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.

(Culturas de folhas finas
e mais discreta presença,
lá como aqui, dos desertos
possuem a transparência,

e o canavial me devolve,
na luz de páramo puro,
um mar sem ilha, os trigais
onde senti Pernambuco.)

Mas as lajes da cidade
não me devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou estas ruas.

As cidades se parecem
nas pedras do calçamento,
artérias iguais regando
faces de vário cimento,

por onde iguais procissões
do trabalho (sem ardor)
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.

Todas lembram o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,

em todas em que este crime
– traço comum que surpreende –
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.




*  *

REFERÊNCIA:
ATHAYDE, Félix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998, p. 48.



*  *  *


2 comentários:

  1. O gostoso de lê-lo é o ritmo de seus poemas.
    Belo post.
    Um grande abraço
    http://varaldecores.blogspot.com.br/

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    Respostas
    1. Obrigado Paulo Francisco por sua visita.
      Um abraço.

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Obrigado a todos os amigos leitores.
Pedro