4 de nov. de 2013

[Conto] DALTON TREVISAN – Três tiros na tarde



  
– PEDRO LUSO DE CARVALHO


DALTON TREVISAN é o mais importante contista moderno, e um dos melhores escritores brasileiros desse gênero de todos os tempos. Sua trajetória de contista iniciou-se nos anos 60, época em que o conto passou a colocar-se como o gênero de preferência do leitor brasileiro. Trevisan ainda se dedica exclusivamente ao conto. Outros contistas de língua portuguesa importantes: Rubem Fonseca, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles. Estes, no entanto, não se dedicaram apenas ao conto.

No Estado do Rio Grande do Sul destaca-se, como o seu melhor contista, dedicado apenas a esse gênero literário, Sergio Faraco, com uma extensa obra de contos da melhor qualidade, com reconhecimento não apenas no Brasil, mas também no exterior, em especial em países da América do Sul.

Para Na introdução de Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, o crítico literário Italo Moriconi disse que foi há cerca de cinco décadas que o conto se formatou em uma narrativa de no máximo 20 a 25 páginas, deixando para trás as histórias mais longas e caudalosas, que são classificadas como novelas.

Segue o conto Três tiros na tarde, de Dalton Trevisan (in Trevisan, Dalton. A faca no coração, 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1979, p. 53-55):

  


 TRÊS TIROS NA TARDE
          (Dalton Trevisan)



Primeiro ela deitou uma droga no licor de ovo – a garganta em fogo, João correu para a cozinha e tomou bastante leite. Depois ela misturou soda cáustica na loção de cabelo, que lhe queimou as mãos. O vidro moído no caldo de feijão rangia-lhe os dentes – e rolava no chão do banheiro, as entranhas fervendo.

Chaveados no guarda-roupa o creme de barba, o talco, o perfume, João decidiu só comer na companhia dos filhos – e se, para matá-lo, envenenasse Maria também os filhos?

Ele dormia, cansado da viagem de negócio. Maria abriu o gás do aquecedor. Salvo pelo menino, que bateu na porta:

– Pai, acorde. Que cheiro é esse pai?

– Esqueci o cigarro aceso.

Já dormia em quarto separado. Ela recebia flores de antigos noivos. Fim de semana viajou sozinha para aborto de um filho que não era dele.

– Os dias que passei longe – anunciou para uma amiga – foram os melhores de minha vida.

O pai de João foi procurá-lo no escritório:

– Meu filho, o que está esperando? Você quer morrer – é isso?

Sem coragem de abandonar os meninos com aquela doida. Ou quem sabe amava a doida?

Na poltrona da sala, o copo de uísque na mão, lia os programas dos cinemas:

– Que filme gostaria de ver, Maria?

Um dos guris brincando a seus pés no tapete.

– Para você, querido.

Voltou-se e recebeu os três tiros no rosto.

– Mãe, por que a senhora fez isso? – e o piá limpava no pulôver branco a mãozinha grudenta.

– Agora não adianta mais.

Olho arregalado, a sogra surgiu na porta:

– O meu filho essa desgraçada matou.

Deitado o seu menino no sofá de palhinha. Vertia sangue das feridas e pingava numa bacia no chão.

– Tão bonito. Nem tinha pelo no braço. No carnaval saiu de mulher. Ninguém desconfiou.

De joelho, a velha enxugava a sangueira no bigode:

– Por que não dá o tiro de misericórdia?

Maria virou-lhe as costas:

– Tirem daqui essa louca.

Sozinha no quarto, vestiu-se de vermelho, pintou o olho, enfeitou-se de brinco. Toda em sossego sorria para o espelho.



*  *  *



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Pedro