3 de mar. de 2024

JORGE LUIS BORGES – O credo de um poeta




PEDRO LUSO DE CARVALHO

JORGE LUIS BORGES nasceu a 24 de agosto de 1899, em Buenos Aires, Argentina. Foi fabulista, poeta, contista, ensaísta e mitólogo. Educado num lar bilíngue, aprendeu a escrever em inglês antes de sua língua pátria. Na casa em que morava com a família, o menino Jorge passava boa parte de seu tempo na ampla biblioteca de seu pai.
Já adulto Borges sofreu a influência de poetas espanhóis da vanguarda radical. Seu nome passou a ter visibilidade nos anos 1920, como poeta e ensaísta. As obras em prosa passaram a ser admiradas nos anos de 1930.
Do fim dos anos 1950 até a sua morte – 14 de junho de 1986, em Genebra, Suíça - Borges fez muitas palestras e voltou a escrever poemas, já que sua deficiência visual dificultava sua escrita em prosa.
Segue um trecho de O credo de um poeta, de Jorge Luis Borges (In Borges, Jorge Luis. Esse ofício do verso. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 103):

O CREDO DE UM POETA (fragmento)
JORGE LUIS BORGES


Meu propósito era falar sobre o credo do poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho apenas um tipo claudicante de credo. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas dificilmente é para os outros.
Aliás, acho que todas as teorias poéticas são meras ferramentas para escrever um poema. Suponho que haja tantos credos, tantas religiões, quantos são os poetas. Embora no final eu diga sobre os meus gostos e desgostos no tocante à escrita da poesia, acho que vou começar com algumas memórias pessoais, não só de escritor, mas também de leitor.
Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita; mas acho que o que li é muito mais importante que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever.

                   
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18 de nov. de 2023

ALUÍSIO DE AZEVEDO – Vida & Obra

Aluísio de Azevedo



 - Pedro Luso de Carvalho       

ALUÍSIO DE AZEVEDO (Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo) nasceu em São Luís do Maranhão, a 14 de abril de 1857, filho de uma mulher que havia abandonado o marido, um comerciante português, para viver com o vice-cônsul de Portugal. Dessa união (concubinato), teve cinco filhos.
Na casa de sua família havia uma atmosfera intelectual, que despertou em Aluísio o pendor para o desenho e a pintura.
Na mesma casa comercial onde trabalhou, em São Luís, estudou as primeiras letras. Deixou sua cidade natal para morar no Rio de Janeiro, onde seu irmão mais velho, Artur de Azevedo, comediógrafo e jornalista, fazia grande sucesso. Nessa época, estava com 17 anos de idade, passou a estudar pintura, na Escola de Belas Artes.
No Rio, onde passou a residir, Aluísio de Azevedo começou a trabalhar na imprensa como caricaturista. Trabalhou em O Fígaro, O Mequetrefe e em A Semana Ilustrada.
Aluísio retorna a São Luís, onde escreve, em 1881, O Mulato, o primeiro romance do escritor, que obteve grande êxito. Em O mulato, o escritor denuncia a corrupção do clero e o preconceito racial, o que foi motivo para grande irritação da burguesia maranhense.  
De volta ao Rio, publica diversas obras e colabora em jornais e revistas. Depois de algum tempo, presta concurso público para cônsul; aprovado, serve em Vigo, Nápoles, Tóquio, e depois em Buenos Aires, onde falece.
Aluísio de Azevedo é a figura principal do naturalismo no Brasil. Notável observador de costumes e ambientes da sociedade do Segundo Reinado tinha no folhetim de imprensa o meio de publicação de sua obra, o que prejudicava edições mais eficientes de sua abundante produção.
Deixou, porém, três ou quatro obras que lhe asseguraram importante lugar no romance brasileiro. Na obra de Aluísio de Azevedo há uma significação histórica em paralelo com a significação literária. Por todos os méritos, foi eleito para assumir uma cadeira na  Academia Brasileira de Letras.
Depois que Aluísio de Azevedo assumiu o cargo de cônsul, surpreendentemente, abandonou a literatura; os motivos, que o levaram a tomar essa decisão, nunca ficaram esclarecidos.
Aluísio de Azevedo servia em Buenos Aires, onde servia como cônsul, e vivia conjugalmente com uma senhora argentina e os dois filhos desta. O escritor morreu, na capital portenha, em 21 de janeiro de 1913, aos 57 anos de idade, incompletos.
Suas principais obras: Uma lágrima de mulher (1879), O mulato (1881), Casa de pensão (1884), O homem (1887), O coruja (1889), O cortiço (1890), O esqueleto (1890), Demônios (1893), Livro de uma sogra (1895).



REFERÊNCIAS:
LINS, Álvaro; HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Antologia da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, vol. II, 1966.
GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2004.

    
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26 de out. de 2023

[Conto] LUIS FERNANDO VERISSIMO – Mal-entendido



                             - Pedro Luso de Carvalho
    
         Luis Fernando Veríssimo, um dos escritores brasileiros mais importantes, nasceu em Porto Alegre, em 1936. No ano de 1969 o jornal Zero Hora começa a publicar as suas crônicas. Nesse mesmo ano começou a trabalhar para a MPM Propaganda, como redator de publicidade. Mais tarde, suas crônicas são publicadas nos jornais O Estado de São Paulo Jornal do Brasil.
        
       Publicou algumas dezenas de livros, dentre eles mencionamos os que obtiveram maior sucesso, dentre os menos atuais: O Popular (J.Olympio, 1973), Ed Mort e Outras Histórias (L&PM, 1979), O Analista de Bagé (L&PM, 1980) A Velhinha de Taubaté (L&PM, 1983), Aventuras da Família Brasil (quadrinhos, L&PM, 1985), O Suicida e o Computador (L&PM, 1992), Comédias da Vida Privada (L&PM, 1994),  Américas (Artes e Ofícios, 1994).
        
        Segue o conto de Luis Fernando Veríssimo intitulado Mal-entendido (In Contos de Bolso. Alexandre Guardiola. Porto Alegre: Casa Verde, 2005, p.11):

                                                    [ESPAÇO DO CONTO]
                                                      
                                                      MAL-ENTENDIDO
                                                                L. F. Verissimo

        Escuta, eu sei que estou me arriscando vindo aqui, me disseram que você queria me matar, mas escuta. Foi um mal-entendido. Quando eu falei em cagalhão, eu não me referia a... Escuta! Deixa eu falar? Era no bom sentido, eu... Espera! Ó cara. Nós não fomos coroinhas juntos? Então você acha que eu ia dizer uma coisa dessas de você, só por causa de um... Escuta, pô. Eu seria a última pessoa no mundo a... Eu posso falar? Espera! Escuta! Não! Não!

                                                              
                                                               *  *  *  


20 de set. de 2023

AFRÂNIO COUTINHO - Evolução da Crítica


 – PEDRO LUSO DE CARVALHO
  
Evolução da Crítica Shakespeariana foi o título da palestra realizada por Afrânio Coutinho no curso realizado pela Academia Brasileira de Letras, em 1964, por ocasião da comemoração do quarto centenário de Shakespeare. O mestre inicia-a dizendo que a crítica literária não se constitui um gênero literário que possa ser análogo com o romance, o lirismo, o drama, a crônica, que nascem da imaginação, enquanto a crítica literária constitui-se em produto da razão, que exige reflexão, o que a aproxima da filosofia.
Na crítica, o espírito atua sobre a matéria literária, em todos os gêneros imaginativos. Sua tarefa é, pois, de natureza racional, de forma específica, em relação aos gêneros da literatura: romance, novela, conto, crônica e poesia; do que é criado pela imaginação, em literatura, passa no que diz respeito à crítica, a ser analisado, interpretado, compreendido e julgado. Então, tem-se que a matéria específica da crítica literária, no campo da racionalidade, é meditar e definir o fenômeno literário, tais como aparecem na obra de arte da linguagem, em qualquer um de seus gêneros acima mencionados.
A crítica, criada por Aristóteles, às vezes olhada com desprezo por muitos escritores da literatura, há muitos séculos vem servindo de conselheira do leitor, sem o qual não se justificaria a existência dessa forma de manifestação artística, vem caminhando sem esmorecer, desde sua criação até os dias atuais, em defesa da arte das palavras. E, na medida em que a literatura apresenta suas mutações ao longo dos anos, também a crítica faz a sua adequação às novas épocas, com seus períodos estilísticos, escolas e escritores.
Da longa palestra sobre crítica literária, proferida por Afrânio Coutinho, na Academia Brasileira de Letras, a respeito da análise do estilo e da técnica usada pela crítica, em razão da especificidade da obra e da envergadura de seu autor, referindo-se de modo especial à obra shakespeariana, transcrevo apenas alguns trechos que considerei mais importante, como segue:
No espaço de perto de quatrocentos anos que a sua obra ocupa as atenções do mundo, ela é um constante desafio à argúcia explicadora e valorativa da crítica literária. Nenhuma outra obra, pelo seu volume e qualidade, pois é o maior e mais perfeito acervo literário ainda produzido pelo espírito criador da humanidade, tem oferecido oportunidades mais amplas à penetração e compreensão do fenômeno literário.
E, de feito, a resposta que a crítica há dado a esse desafio tem sido memorável. Pode-se afirmar, também, que se é grande a obra shakespeariana, não é menos valiosa a contribuição que a crítica literária universal tem dado, a partir da observação, do estudo, da análise, da interpretação daquele extraordinário acervo de arte da palavra. Debruçada sobre ele há quase quatro séculos, a mente indagadora da crítica tem retirado, por outra parte, conclusões percucientes sobre o que seja a literatura, sobre como opera no espírito do público, sobre a sua natureza e função.
Não há seguramente, maior matéria prima literária para sobre ela fazer atuar o espírito crítico: drama ou lirismo, tragédia ou comédia, personagens ou enredos, estilo ou linguagem, metáforas ou símbolos, sublime ou natural, fantasia ou realidade, humanidade comum ou tipos heróicos, amor e morte, infância e velhice, guerra e paz, o instante e o eterno, a cidade e o campo, o passado e o presente, a obra shakespeariana é o espelho da humanidade, um resumo da história do homem, é o próprio homem em seus variados aspectos de grandeza e miséria, diante da vida e da morte, do perigo e da alegria, do infortúnio e do triunfo, do amor e da maldade, dos poderosos e dos humildes.
Daí em diante, Afrânio Coutinho ocupa-se em fazer um levantamento da manifestação da crítica sobre a obra de Shakespeare, de sua repercussão e aceitação pelos leitores, mencionando que, em 1942, o bibliográfico William Jaggard afirmava que com exceção das Escrituras, nenhum outro assunto ou escritor havia despertado mais comentário crítico do que Shakespeare, aduzindo, que o acervo crítico, em razão do volume de suas publicações, não foi arbitrário e nem somente quantitativo, incluindo todas as escolas críticas, todos os métodos, todas as teorias, no andar da literatura ocidental.
Afrânio dos Santos Coutinho nasceu a 15 de março de 1911, em Salvador, Bahia. Foi ensaísta, crítico literário e educador. Formado em Medicina em 1931, tomou outro caminho: foi professor de Filosofia, História e de Literatura. Escreveu 29 livros, que foram publicados entre os anos de 1935 a 1994, dentre eles, Correntes cruzadas, Introdução à literatura no Brasil, A literatura no Brasil (16 tomos), Machado de Assis na Literatura Brasileira, Crítica e Poética, A tradição afortunadahistória literária. Em 17 de abril de 1962, passou a ocupar a Cadeira nº 33 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 5 de agosto de 2000, na cidade do Rio de Janeiro.


REFERÊNCIA
COUTINHO, Afrânio. Crítica e Poética. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.
KOOGAN LAROUSSE. Pequeno Dicionário Enciclopédico. Rio de Janeiro: 1979,  p.1.112.


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27 de ago. de 2023

ANTERO DE QUENTAL – Inovador de Ideias




 – Pedro Luso de Carvalho

ANTERO DE QUENTAL, que foi registrado no Cartório Civil como Antero  Tarquínio de Quental, nasceu a 18 de abril de 1842,  em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, onde passou sua infância. Era filho de Fernando de Quental e D. Ana Guilhermina da Maia, ele açoriano, ela natural de Setúbal.
Em São Miguel, fez seus primeiros estudos até ser matriculado no Colégio do Pórtico, dirigido por António Feliciano de Castilho, no Continente. Aprendeu desde tenra idade as línguas francesa e inglesa. Na intimidade que viveu com a família Castilho, recebeu as primeiras luzes de latim, em curso por este ministrado.
Estudou em Coimbra, onde se fez notar pelas atitudes revolucionárias e pelo arrojo inovador das ideias. Foi o provocador e líder da célebre “Questão Coimbrã”, a qual, mais que um combate a Castilho, representou um golpe contra o romantismo e a afirmação de um espírito novo: o da chamada Geração de 1865.
Vida agitada e dramática, sua figura humana ainda se distingue mais do que a figura intelectual. Teve ímpetos para a ação, e chegou a fundar sociedades revolucionárias (movimentos políticos filiados à doutrina socialista); esses ímpetos sucediam, porém, crises de solidão e pessimismo. Então, refugiava-se em Ponta Delgada, e por muito tempo ninguém tinha notícia de sua existência.
Estudou filosofia e problemas sociais, chegando a elaborar um sistema pessoal de ideias, do qual só publicou fragmentos. Essa tendência filosófica está refletida na sua poesia, das mais altas e originais da língua portuguesa. É de se lhe notar a predileção pelo soneto, forma que havia sido desdenhada pelos românticos.
Em data de 28 de setembro de 1858, matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra. Estava então, com dezessete anos. Eça de Queirós dirá, na sua evocação da mocidade de Antero de Quental:
Coimbra vivia então uma grande atividade, ou antes num grande tumulto mental. Pelos Caminhos de Ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários... Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos reis; e Balzac com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o Universo; e Poe; e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros!
No período que compreende os anos de 1858 a 1860, época em que Antero termina o segundo ano da faculdade, publicou os seus primeiros versos no jornal O Acadêmico, que não passou de três números, Estreava nas colunas dos Prelúdios Literários em 1859, com o poema Quero-te muito, assinando apenas as iniciais de seu nome A. T. Q.
Na época de sua estreia, 1859, que não foi brilhante, a poesia portuguesa sofria o baque com a perda de nomes representativos do romantismo; cinco anos antes, morria Garret, Herculano faria uma nova edição suas Poesias em 1860 – fazia dez anos que não as reeditava. O ano de 1863 marca o início da prosa de Antero, quando começa a afastar-se do romantismo.
Concluiu o curso de Direito em julho de 1864. Nos últimos anos do curso, eram seus companheiros preferidos os cientistas: matemáticos e naturalistas. Mudara com determinação a forma de encarar a sua atividade literária. A fase sentimental de Antero de Quental – o poeta das Primaveras românticas – estava finda.
Antero de Quental chegara aos quarenta e nove anos, depois de ter trilhado um caminho com êxito no plano intelectual, mas sem ter tido tempo para realizar todos os seus sonhos dos vinte anos de idade, quer no campo do pensamento e da mentalidade, quer no território da política e da organização social.
A neurose que acometera  Antero foi responsável pelo seu abatimento físico e mental, que cerceou seus planos em várias áreas de sua atuação, quer como crítico e moralista, quer como filósofo e poeta.
 O poeta retorna de a S. Miguel para escolher uma família que pudesse cuidar de suas duas filhas adotivas, mediante uma mesada. Sua intenção, depois disso, era voltar com sua irmã para Lisboa, mas é na ilha que vive os seus últimos dias.
Depois de comprar um revolver numa loja de quinquilharias da parte baixa da cidade, o caixeiro a embrulha em três folhas de papel; como diz João Gaspar Simões, pretendia Antero dirigir-se ao Campo de São Francisco, mas antes resolveu passara pela casa onde deixara suas filhas adotivas.
O Campo de São Francisco está deserto. Antero de Quental senta-se num dos bancos, junto ao Convento da Esperança, desfaz o embrulho, retira o revólver e leva o cano à boca e detona a arma; muito ferido, puxa novamente o gatilho, e desta vez o tiro atinge-lhe o cérebro.
Isso ocorreu às oito horas da noite. O poeta teria ainda que suportar grande sofrimento, pois somente às nove horas, assistido por médicos chamados de emergência, numa cama da enfermaria do hospital da Misericórdia, dá o seu último suspiro. (Antero de Quental falece no dia 11 de novembro de 1891, em Ponta Delgada, Açores, aos 49 anos de idade.)
No Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse, sob a direção de Antônio Houaiss, o verbete sobre Antero de Quental está assim redigido:
Poeta e prosador português, Ponta Delgada, Açores (1842-1891), espírito angustiado pela dúvida metafísica e religiosa, e, ao mesmo tempo, homem de ação voltado para as ações revolucionárias da época, foi líder de sua geração literária e de movimentos políticos filiados à doutrina socialista. Atacado de grave neurastenia acabou por suicidar-se. O timbre filosófico de sua poesia, trabalhada com lavor, é reflexo de pungentes conflitos interiores, que lhe marcaram a vida. Antero forma com Camões e Bocage, a trindade dos grandes sonetistas portugueses, Obras principais: Odes modernas (1865), Sonetos (1890).
Obras principais de Antero de Quental: Sonetos de Antero, 1861; Odes modernas, 1865; Primaveras românticas, 1871; Os sonetos completos de Antero de Quental, 1886; Raios de extinta luz, 1892; Bom senso e bom gosto, 1865; A dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, 1865; Sonetos (1890), Prosas (3 vols.), 1923, 1926 e 1931.


REFERÊNCIAS:
SIMÕES, João Gaspar. Antero de Quental. Lisboa: Editora Presença, 1962.
LINS, Álvaro. HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Vol. I. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966.
LAROUSSE, Koogan. Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse. Direção de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Editora Larrousse do Brasil, p. 1476.


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6 de ago. de 2023

JORGE LUIS BORGES – Esse ofício do verso




PEDRO LUSO DE CARVALHO


O livro de Jorge Luis Borges, Esse ofício do verso, organizado por Calin-Andrei Mihailescu e traduzido por José Marcos Macedo, foi lançado pela Companhia Das Letras, em 2007 (em 2ª reimpressão). Esse ofício do verso está dividido em 6 partes, quais sejam: 1) O enigma da poesia, 2) A metáfora, 3) O narrar uma história, 4) Música da palavra e tradução, 5) Pensamento e poesia, e 6) O credo de um poeta. No 1º capítulo dessa obra, O enigma da poesia, diz Borges [trecho]:
A verdade é que não tenho revelações a oferecer. Passei minha vida lendo, analisando, escrevendo (ou treinando minha mão na escrita) e desfrutando. “Sorvendo” a poesia, cheguei a uma derradeira conclusão sobre ela. De fato, toda vez que me deparo com uma página em branco, sinto que tenho que redescobrir a literatura para mim mesmo. Mas o passado não é de valia alguma para mim. Assim, como disse, tenho apenas minhas perplexidades a lhes oferecer. Estou perto dos setenta. Dediquei a maior parte de minha vida à literatura, e só posso lhes oferecer dúvidas”.
Sobre a Metáfora, 2º capítulo, escreve Borges [trecho do segundo capítulo]:
O poeta argentino Langones, lá pelos idos de 1909, escreveu pensar que os poetas estavam usando sempre as mesmas metáforas e que tentaria treinar a mão descobrindo novas metáforas para a lua. Disse também, no prefácio a um livro chamado 'Lunario sentimental', que cada palavra é uma metáfora morta. Essa declaração, claro, é uma metáfora. Mas acho que todos sentimos a diferença entre metáforas mortas e vivas. Se pegarmos qualquer bom dicionário etmológico (estou pensando em meu velho amigo ignorado, Dr. Skeat) e se procurarmos uma palavra qualquer, na certa encontraremos uma metáfora enfurnada em alguma parte”.
No capítulo 3º da obra, Esse ofício do verso, qual seja, O narrar uma história, escolhi os três trechos que seguem:
Ao consideramos o romance e a épica somos tentados a pensar que a diferença principal está na diferença entre verso e prosa, entre cantar algo e enunciar algo. Mas acho que há uma diferença maior. A diferença está no fato de que o importante na épica é o herói – o homem que é um modelo para todos os homens. Ao passo que a essência da maioria dos romances, como salientou Mencken, reside na aniquilação de um homem, na degeneração do caráter".
Prossegue Borges, em O narrar de uma história:
Isso nos leva a outra questão: O que pensamos da vitória e da derrota? Quando se fala hoje em dia num final feliz, as pessoas consideram-no um simples concessão ao público ou uma estratégia comercial; consideram-no artificial. Mas por séculos os homens puderam acreditar sinceramente na felicidade e na vitória, embora percebessem a dignidade intrínseca da derrota. Por exemplo, quando se escrevia sobre o Velocino de Ouro (uma das velhas histórias da humanidade), leitores e ouvintes sabiam desde o início que o tesouro seria encontrado no final”.
Ainda sobre o capítulo O narrar de uma história:
Bem, hoje em dia, se alguém empreende uma aventura, sabemos que terminará em fracasso. Quando lemos – penso num exemplo que admiro – The Aspern papers, sabemos que os papéis jamais serão encontrados. Quando lemos O Castelo de Franz Kafka, sabemos que o homem jamais ingressará no castelo. Ou seja, não podemos realmente acreditar em felicidade e sucesso. E isso talvez seja uma das pobrezas de nosso tempo. Suponho que Kafka tenha sentido algo bem parecido quando quis que seus livros fossem destruídos: queria na verdade escrever um livro feliz e triunfante, e sentiu que não podia fazê-lo. Ele poderia tê-lo feito, é claro, mas as pessoas teriam percebido que ele não estava dizendo a verdade. Não a verdade dos fatos, mas a verdade dos seus sonhos”.
Segue um trecho do 4º capítulo, Música da palavra e tradução, dessa obra de Borges:
Portanto, acho que a idéia de uma tradução literal proveio da tradução da Bíblia. Esse é apenas um palpite (imagino que haja aqui muitos especialistas que podem me corrigir se eu estiver errado), mas acho ser altamente provável. Quando as traduções bastante idôneas da Bíblia foram empreendidas, começou-se a sentir que havia uma beleza nos modos alheios de expressão. Agora todos têm muito gosto por traduções literais, porque uma tradução literal sempre nos dá aquelas pequenas sacudidelas de surpresa pelas quais esperamos. De fato, pode-se dizer que não se precisa de original algum. Dia virá, talvez, em que a tradução será considerada como algo em si mesmo. Podemos pensar nos Sonnets from the Portuguese de Elizabeth Barrett Browning”.
Vejamos um trecho do que Borges escreve no 5º capítulo do livro Esse ofício do verso, intitulado Pensamento e poesia:
Há versos, é claro, que são belos e sem sentido. Porém ainda assim têm um sentido – não para a razão, mas para a imaginação. Permitam-me tomar um exemplo bem simples: two red roses across the moon (Duas rosa vermelhas atravessadas na lua). Aqui talvez se diga que o significado é a imagem conferida pelas palavras; mas para mim, pelo menos, não há imagem definida. Há um prazer nas palavras e, claro, na cadência das palavras, na música das palavras. E tomemos outro exemplo de William Moris: Therefore, said fair Yoland of the flowers (fair Yoland é um bruxa), This in the tune of Seven Towers ['Portanto', disse a bela Yoland das flores, 'esta é a música das Sete Torres']. Estes versos foram destacados do contexto, e ainda assim acho que subsistem”.
.Em trecho do 6º capítulo do livro Esse ofício do verso, qual seja, O credo de um poeta, assim se expressa Borges:
Meu propósito era falar sobre o credo do poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho apenas um tipo claudicante de credo. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas dificilmente é para os outros. Aliás, acho que todas as teorias práticas são meras ferramentas para escrever um poema. Suponho que haja tantos credos, tantas religiões, quantos são os poetas. Embora no final eu diga algo sobre os meus gostos e desgostos no tocante à escrita da poesia, acho que vou começar com algumas memórias pessoais, não só de escritor, mas também de leitor. Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita; mas acho que o que li é muito mais importante que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, mas sim o que é capaz de escrever”.


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28 de jul. de 2023

ÁLVARES DE AZEVEDO – Se Eu Morresse Amanhã!



– PEDRO LUSO DE CARVALHO
  
ÁLVARES DE AZEVEDO, cujo nome completo era Manoel Antônio Álvares de Azevedo, nasceu em São Paulo a 12 de setembro de 1831. Seus pais, Inácio Manoel Álvares de Azevedo e D. Luísa Silveira da Nota Azevedo, mudaram-se para o Rio de Janeiro, em 1833.
Nos anos de 1848-1851, Álvares de Azevedo cursa a Faculdade de Direito de São Paulo. Convive com Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa, José de Alencar. Em 1849, funda a Associação do Ensaio Filosófico. Estuda, lê muito e escreve toda sua obra.
Em fins de 1851 e início de 1852, passa em Itaboraí, onde espera recuperar a saúde. O poeta, no entanto, é assaltado pelo pressentimento da morte. Então, pensa em mudar-se para Recife e terminar a faculdade, pois sente que morrerá em São Paulo.
No dia 10 de março de 1852, sofre uma queda ao voltar de um passeio a cavalo; sente, depois, disso que os sintomas da tuberculose agravam-se. Seus médicos diagnosticam um tumor na fossa ilíaca, e o operam. Depois da operação melhora, mas em 25 de abril, desse mesmo ano, vem a falecer, com apenas vinte e um anos de idade. Foi sepultado no cemitério Pedro II, na Praia Vermelha, depois seu corpo foi transladado para o Cemitério São João Batista.
Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda dizem que “Álvares de Azevedo foi talvez o mais bem-dotado de todos os poetas brasileiros”. (In Roteiro Literário de Portugal e do Brasil, vol. II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 106).
Segue o poema de Álvares de Azevedo intitulado Se eu morresse amanhã! (In Álvares de Azevedo, Poesia, Antologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1960, p. 91):


SE EU MORRESSE AMANHÃ!

           – ÁLVARES DE AZEVEDO



Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n’alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

           
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23 de jul. de 2023

[Conto] DALTON TREVISAN – A faca no coração





- Pedro Luso de Carvalho


DALTON TREVISAN foi um dos escritores brasileiros que, no início dos anos 60, passaram a adotar o conto para contar suas histórias; nessa época, que marcou uma revolução na produção desse gênero literário, também se destacaram: Rubem Fonseca, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles.

Na introdução de Os cem melhores contos brasileiros do século, o crítico literário Italo Moriconi disse que foi há cerca de cinco décadas que o conto se formatou em uma narrativa de no máximo 20 a 25 páginas, deixando para trás as histórias mais longas e caudalosas, que são classificadas como novelas.

No moderno conto brasileiro destacam-se Dalton Trevisan e Rubem Fonseca, o que pode ser comprovado pela crítica literária e também pelos nomes das editoras que os publicam, pelo numero de suas reedições, em especial pela aceitação de ambos pelos leitores.


Segue A faca no coração, conto de Dalton Trevisan (in Trevisan, Dalton. A faca no coração. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1979, p. 105-108):

 

            A Faca no Coração

                                      - Dalton Trevisan



      

Você raspou o bigode, João? Ficou mais moço.

– Na mesma hora em que ela me deixou. O amor é uma faca no coração. Cada dia se enterra mais fundo, que não deixe de sangrar.

– Esse óculo rachado. Não pode enxergar direito.

– Depois a gente acostuma, não atrapalha tanto.

– Maria, ela não merece você. É bom demais. E os filhos?

– A mais velha me odeia. Dizer que me chamava Paizinho.

– No começo eles tomam o partido da mãe.

– Ao encontrá-la na rua, me virou o rosto: Você é uma filha ingrata. Nada de ingrata. Nem considero o senhor meu pai. Então a culpada foi sua mãe... Sabe o que ela fez? Quis me avançar com a unha afiada.

– A outra filhinha?

– Também do lado da mãe.

– E o filho?

– Esse é o maior inimigo.

– Você, João, uma infância tão feliz. Agora sofrendo esse horror. Dona Cotinha teve a felicidade de não ver.

– Se ela está vendo... Tudo!

– Vendo o quê?

– É espírito forte. Tudo ela vê. Fala comigo em sonho. Sabe o que repete?

– ...

Meu filho, sinto uma pena de você!

– Ó Maria, mal de cada dia.

– Minha cama é só mordida de formiguinha ruiva. Usei tudo que é veneno. Até lavei o soalho. Mas não adiantou.

– É a famosa insônia de viúvo.

– Três da manhã, lá vem o negro desdentado, entra no quarto, deixa uma flor na minha testa.

– E quando você acorda, a flor está ali?

– Como é que adivinhou? Flor é do céu, não é? Quem manda é a velha: Vá cuidar do meu menino, tão sozinho.

– Deve arrumar uma companheira.

– Quem é que vai me querer?

– Quanta mulher, João. Uma viúva, uma desquitada infeliz, tanta professora bonitinha.

Cada dia – são palavras da Maria – é mais difícil gostar de você.

– Mulher é que não falta.

– Tenho uma em vista. Viúva de trinta anos. Maria praguejou que sozinho não consigo outra.

– Deve mostrar para ela. Pode até escolher.

Como é que você dobrou a Maria, assim furiosa? – perguntou a pobre velha, antes de morrer. Não dobrei a Maria, eu disse, dobrei os joelhos.

– Mudar a lente rachada não custa. Em vez dessa gravata fúnebre uma de bolinha azul.

– Nunca  tomei um copo d’água sem dar a metade para ela, que no fim me fugiu. Na cama o cobertor era todo de Maria. Não tinha um fio e uma agulha para este botão?

– Bem sei que fazia pose para você. Logo ela!

– É refinada feiticeira. Coração comido de bichos, ela tem um buraco no peito. Sabe o que, no dia em que me abandonou?

– ...

– Só de traidora degolou o casal de garnisés...

– Nem tremeu a mão de unha dourada.

– ... estrangulou o canário no arame da gaiola...

– Não me diga, João!

– ... e furou o olho do peixinho vermelho.

– Esqueça a ingrata nos braços de outra.

– Não é feia a viúva. Trinta anos mais moça, apetitosa. Só eu não mereço?

– Assim é que se fala, João.

– Não posso ter dó de mim, daí estou perdido. Acho que me engracei pela viuvinha. O amor é uma corruíra no jardim – de repente ela canta e muda toda a paisagem.



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