[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
Bem antes de receber o
galardão do Prêmio Nobel de Literatura com a sua magistral obra, Cem anos de
solidão, de ter publicado outras tantas obras como O amor nos tempos do cólera,
Crônica de uma morte anunciada, Funerais de mamãe grande, Ninguém escreve ao
coronel, O sequestro O outono do patriarca A incrível história de Cândida
Erêndira, entre outras, e, a mais recente, Memória de minhas putas tristes,
Gabriel Garcia Marques, bem antes, escreveu artigos para o jornal colombiano El
Universal, quando tinha apenas aos 20 anos; Marques chegou a exercer o cargo de
redator do El Universal.
Os seus artigos, escritos
no período de 1948 a 1952, foram reunidos nos 2 volumes do livro Textos do
Caribe, publicados no Brasil pela Editora Record, com compilação de Jacques
Gilard e tradução de Joel Silveira. Do seu segundo volume, escolhi o artigo
Mistérios da Novela Policial, que a seguir transcrevo (In Textos
do Caribe/Gabriel Garcia Marques, tradução de Joel Silveira, Rio de Janeiro: Record, 1981. v.
2):
“A novela policial é um
dos grandes enigmas da literatura. Para decifrar o mistério de sua existência e
de sua prosperidade é possível que não faça falta um crítico, mas um detetive
literário. Os acadêmicos se empenham em não dar importância a essa espécie de
leitura, mas a maioria deles é constituída de apaixonados leitores clandestinos
de novelas policiais. Esse (e outros casos) permite pensar que a paixão pela
aventuras detetivescas é biologicamente regida pelos mecanismos dos vícios. É como
fumar, apostar na loteria ou injetar-se morfina. Daí sua avassaladora
popularidade, e daí também a circunstância de que até agora ninguém tenha
podido explicar por que gosta das novelas policiais.
Quase todos os bobos já
esgotaram os livros de Ellery Queen. Mas quando pretendem dissimular sua mania
boba, cobrem o livro com uma capa do Dom Quixote e ficam a lê-lo tranquilamente nos lugares públicos. Todos aqueles que têm alguma ideia de como “andam as
coisas” e se esforça para que todo o mundo saiba disso, leem o Quixote em casa
e vão para a rua ler novelas policiais. Atualmente, para os intelectuais, é
prova de bom gosto dedicar-se a essa espécie de leitura. Mas a verdade é que o
autêntico leitor de novelas policiais não submete sua paixão a quaisquer condições,
nem sabe se se trata de uma preferência boa ou má; e nem parece ter o menor
interesse em averiguá-lo. É possível que esse seja um tipo sem importância. Mas
sem dúvida foi ele que tornou interessante a novela policial. Talvez interesse
saber, aos que praticam tal vício, que o presidente Roosevelt era um
irremediável leitor de mistérios policiais. Na Conferência de Yalta, enquanto
se planejava o golpe final contra os nazistas, Stalin consumia grandes
quantidades de vodka, Churchill fumava caixas de charutos e Roosevelt lia
novelas policiais. Cada qual na sua. Não seria loucura imaginar que se Hitler
tivesse lido Conan Doyle talvez tivesse dado uma pequena virada na história da
última guerra.
Entre os fatores que
contribuem para confundir os estudiosos da novela policial, destaca-se o fato
de ter esse gênero de literatura cada vez mais êxito, apesar de ser uma espécie
irregular, às vezes capenga. Um marxista diria, exaltado, que a novela
policial, como todas as coisas vistas pelos marxistas, inclusive eles próprios,
“traz consigo o germe da própria destruição”. O mais bem engendrado enigma
detetivesco derrota-se a si mesmo, isso porque o que ele tem de mais
extraordinário, que é precisamente o enigmático, destrói-se invariavelmente com
uma coisa tão simples e boba como é a lógica.
Nessa regra, só conheço
duas exceções: O Mistério de Edwin Drood, de Dickens, e o Édipo Rei, de
Sófocles. A primeira é uma exceção, porque Dickens morreu precisamente quando
havia acabado de propor o enigma e se dispunha a decifrá-lo. A morte tirou à
lógica essa oportunidade, de maneira que Dickens foi para o túmulo levando
consigo o seu segredo; e deixando os seus leitores saboreando para sempre a
curiosidade de saber o que aconteceu a Edwin Drood.
A exceção de Édipo Rei é
inexplicável. Trata-se do único caso na literatura policial em que o detetive,
após um claro e honrado processo de investigação, descobre que é ele mesmo o
assassino do próprio pai. Sófocles mudou as regras antes que as regras tivessem
sido inventadas”.
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ResponderExcluirabs
Aí está lançada a proposta do João, é só se habilitar.
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